terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Relação Trabalhista entre Pastores e Igrejas

Sobre a relação de trabalho dos pastoresEntrevista com Valdo RomãoPublicado em 10.01.2008

Muitas dúvidas pairam sobre a relação de trabalho de pastores com suas respectivas igrejas. Há questões legais a serem atentamente observadas, assim como questões bíblicas e morais a serem levadas em conta na forma como a igreja se relaciona com o pastor nesta área e provê o seu sustento financeiro. Nosso entrevistado - o advogado, contabilista e pastor batista Valdo Romão - esclarece questões como direitos e deveres do ministro de confissão religiosa, aposentadoria, salários, benefícios, entre outras.Valdo Romão é professor de Teologia Sistemática e de Administração Eclesiástica, na Faculdade Teológica Batista de São Paulo; graduado em Liderança pelo Haggai, pós-graduado em Gestão de Organização do Terceiro Setor, pela Mackenzie. É o Diretor Executivo da Convenção Batista do Estado de São Paulo, Diretor-Fundador do Grupo Atlântico – Auditoria e Contabilidade, co-autor do livro Manual do Terceiro Setor e Instituições Religiosas (Editora Atlas).
Legalmente, o pastor é considerado um ministro de confissão religiosa e, portanto, deve ser considerado autônomo. O que isto significa na prática?
Valdo - Tenho a oportunidade de ampliar um pouco mais o entendimento sobre quem pode ser considerado ministro de confissão religiosa. O Ministério do Trabalho define que são ministros de confissão religiosa aqueles que realizam liturgias, celebrações, cultos e ritos, dirigem e administram comunidades, formam pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes tradições, orientam pessoas; realizam ação social junto à comunidade; pesquisam a doutrina religiosa; transmitem ensinamentos religiosos; praticam vida contemplativa e meditativa; preservam a tradição, e, para isso, é essencial o exercício contínuo de competências pessoais específicas. São aqueles que desenvolvem suas atividades como consagrados ou leigos, em templos, igrejas, sinagogas, mosteiros, casas de santo e terreiros, aldeias indígenas, casas de culto, etc. Sobre ser considerado autônomo, cabe reparo. Para a previdência social, esta categoria deixou de existir desde a lei 9.876 de 26.11.1999, quando foi extinta a categoria de autônomo, passando a chamar-se contribuinte individual. Durante alguns anos, o ministro de confissão religiosa foi equiparado ao autônomo; mesmo naquela situação, não era considerado autônomo. Na prática, o Ministro de Confissão Religiosa não tem vínculo empregatício, logo, não tem os direitos trabalhistas, não é autônomo; se fosse autônomo, teria um contrato de prestação de serviços, como não é, sobre ele não há lei que lhe assegure qualquer direito. No nosso caso, o pastor vive da dependência de Deus.
Não são poucos os casos de pastores que terminam seus ministérios sem aposentadoria. De quem seria a responsabilidade? Do pastor que não planejou o seu futuro ou da igreja que não cuidou do seu líder?
Valdo - Infelizmente, esta é a realidade. No entanto, a responsabilidade é totalmente do pastor, pois o ministro de confissão religiosa é um segurado obrigatório da Previdência Social, assim define o art. 12 caput, inciso, V, alínea c da lei 8.212/91. Esta providência deve ser tomada pelo pastor, assim como também é de sua responsabilidade declarar sobre que valor deve contribuir para a Previdência. A Instrução Normativa n° 3, de 14.07.05, DOU de 15.07.05, define que a contribuição social previdenciária do ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada, de congregação, a partir de 1° de abril de 2003, corresponde a vinte por cento do valor por ele declarado, observados os limites mínimo e máximo do salário de contribuição. Se a igreja quiser ajudá-lo nisso, será mera liberalidade dela.
Sabemos que no âmbito do direito previdenciário, a igreja pode ou não quitar mensalmente as contribuições sociais de seus pastores e ministros. Qual a sua visão sobre este aspecto? As igrejas deveriam se sentir moralmente obrigadas a contribuir, independentemente da vontade do pastor?
Valdo - Já há um grande número de igrejas que assim procedem, especialmente as históricas. No meu ponto de vista, esta medida é salutar. O Ministro se envolve com tantos afazeres, cuida dos membros de sua igreja, ocupa a sua agenda com visitas, preparação de sermões, palestras, dá aconselhamento e quase sempre deixa de cuidar dele mesmo e de sua família, o que no meu ponto de vista é um erro. Estou certo que, se as igrejas cuidassem desse item, estariam contribuindo sobremaneira com o pastor, lhe dando esse benefício.
E a questão da carga horária semanal, 13° salário e férias com 1/3 constitucional? Como o pastor não tem vínculo empregatício, qual a postura que a igreja deve adotar em relação a estes direitos?
Valdo - A jurisprudência, que são as decisões dos nossos tribunais, é generosa para confirmar que o pastor não tem vínculo empregatício com a igreja, e por isso mesmo não se aplica a ele qualquer direito trabalhista, todas as rubricas mencionadas são de natureza trabalhista. Ele exerce um ministério sublime, atende a um chamado Divino, sua lide tem como foco o maior bem que o homem e a mulher possuem, que é a sua alma. Porém, a igreja não deve ser mesquinha, de visão pequena, antes, deve aplicar o que diz a Palavra de Deus: “...a vossa justiça deve exceder à dos escribas e fariseus...” Mateus 5.20. O empregado tem todos os direitos trabalhistas, logo, o pastor deve receber de sua igreja todo o cuidado para que ele tenha esses direitos e outros, por ser recomendação bíblica, como tantas igrejas já têm feito.
Como se deve avaliar quanto um pastor deve ganhar e de quais benefícios deve usufruir?
Valdo - Não temos um padrão definido para esta questão. Tudo depende das condições da igreja, e observado isso, também das necessidades do pastor. O que não podemos deixar de considerar é que os proventos ministeriais devem oferecer dignidade ao obreiro. Ele precisa exercer o seu ministério ocupando-se das tarefas que o seu ofício impõe com toda tranqüilidade, sem que esteja preocupado com o sustento da sua casa, com as suas necessidades materiais, sem ter sua vida de compromissos correndo riscos. Qualquer um de nós não produzirá, se os recursos financeiros terminarem primeiro que o mês. Sem, ainda, considerar que o pastor tem outras atribuições que um cidadão comum não tem, como: ele representa uma comunidade, não pode expor-se a essa comunidade, por exemplo, vestindo-se de qualquer maneira; não deve depender dos serviços estatais, como saúde, deve ter um plano de saúde familiar; ele precisa ter uma biblioteca, sempre atualizada, para que lhe sirva de ferramenta para a preparação dos seus sermões; é aconselhável que a igreja crie um fundo, equiparado ao FGTS, algumas igrejas já criaram o chamado FAM (Fundo de Assistência Ministerial), e mensalmente depositam o equivalente a 8% dos Proventos Ministeriais. Enfim, considerando a sua peculiaridade, a igreja deve prove-lo de benefícios que atendam estas necessidades.
E quanto à demissão ou afastamento do cargo de pastor? Se houvesse vínculo empregatício, haveria o recebimento de FGTS e pagamento de multa de 40%, mas, como não há vínculo, o pastor teria direito a alguma indenização?
Valdo - Todas as vezes que o pastor recebe o convite de uma nova igreja, sempre devem ser definidas as condições desse convite. É nessa hora que pastor e igreja discutem quanto a igreja pode lhe oferecer para o seu sustento, quais os benefícios que a igreja pode lhe dar e quais os que ele necessita, como: gratificação natalina, período de descanso anual, 1/3 sobre os proventos para esse período, plano de saúde familiar, verba de representação para participação em reuniões denominacionais ou outras, despesas com combustível, etc. As questões precisam ser definidas antes que haja o início das atividades ministeriais na nova igreja. É nesse momento que poderá ser perfeitamente colocada a questão do FAM, a que já me referi como um beneficio, que deve ter regras claras para que o pastor recorra a ele. Por exemplo, somente deve ser movimentado em caso de compra de casa própria, em caso de doença grave, em caso de aposentadoria, e, é claro, como pertence ao pastor, em caso de sua saída da igreja. Isso definido pela igreja e por ele, devidamente registrado em ata, comprometerá moralmente a igreja e assegurará ao pastor os direitos que a lei não lhe dá.
Apesar de todas as questões legais que envolvem o vínculo do pastor com a igreja, que tipo de orientação ou conselho você daria para os nossos leitores no sentido de dar ao seu pastor um tratamento ético, justo e digno, que vá além daquilo que é somente obrigatório de lei, mas também gracioso diante de Deus?
Valdo - Eu faria uma observação aos pastores. Quem tem como dever de ofício ensinar a Bíblia são eles. Eles são os operários dela, logo, é de responsabilidade deles tratar com a igreja dos temas oferecidos pela Palavra de Deus. É a Bíblia que ensina sobre justiça, dignidade, ética. É a Bíblia que trata das relações humanas, é ela que deve ser seguida e o pastor não pode deixar de ver que ele também é o destinatário dos ensinos bíblicos. A igreja aprenderá a partir da vida do pastor. Como ele trata os seus membros? É cuidadoso, é zeloso, é justo, é digno? Como ele trata os funcionários da igreja? Trata com descaso? Quer obter vantagens deles? Não os reconhece? Ele aplica a Bíblia a sua vida? Reconhece o esforço da sua igreja? Tudo isso, visto na vida do pastor, servirá como ensino para a vida dos membros de sua igreja. A dignidade virá para ele na medida em que tratar os outros também com dignidade. É só ensinar a Bíblia a sua igreja e viver os ensinos da Bíblia, que os membros de sua igreja saberão tratá-lo dignamente. Caso ele assim não proceda, isso não justifica que os membros da igreja não atendam aos princípios bíblicos.
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